sábado, 25 de junho de 2011

Uma versão do amor



Cleyton Boson

Um auto-registro de polaróide revelaria em papel fotográfico a intimidade deste meu último sábado de junho: 36 anos, virginiano, perto de entrar no inferno astral, revendo fotografias de uma ex-namorada e sentindo saudade de algum lugar um tanto impreciso no tempo e no espaço.
Ela garimpava músicas na Livraria Cultura e me perguntou se eu preferia The Ronettes ou Johnny Cash. Eu não sabia o que dizer no café. Ela gostava de comida japonesa. Johnny Cash atravessava a sala e, no quarto, eu me perdia em uma tempestade de olhos castanhos claros e boca vermelho vivo.
Ela me disse: eu te amo. Eu fiquei em silêncio. Ela olhou pela janela e procurou esquecer o que ouviu. Hoje sei o quanto o silêncio dói como ferrão de arraia atravessado no corpo.
Acordei numa dessas noites quentes de outubro e a vi dormindo como que sonhando com um dia de céu azul escancarado. Iluminava a cama e a sala e a cozinha e era tanta luz que achei que fosse me perder naquele sol e não me encontrar nunca mais.
Quando acordou, a manhã já morria num domingo preguiçoso e eu seguia longe de seus olhos, de sua boca, de seus braços e de sua voz.
Hoje, ouvindo In my life, adormeci e sonhei com um raio de sol invadindo minha casa e arrancando a noite que tomou de assalto minha alma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário